terça-feira, 24 de maio de 2016

Terceiro Reich, o livro das personagens sinistras



Minha primeira leitura do chileno Roberto Bolaño (mais conhecido pelo balofo 2666, que está na minha alça de mira) foi Terceiro Reich, na edição cor de barro (ou ocre?) da Companhia das Letras. Seis dias foram suficientes para provavelmente descortinar a leitura com mais figuras sinistras que fiz na vida. Todas as personagens guardam seu mistério. 

As pouco mais de 300 páginas trazem um diário do alemão Udo Berger, especialista em jogos de guerra (ou de estratégia, como queiram) de Frankfurt elaborado durante suas férias de verão em um vilarejo de Barcelona. Vai para lá com a namorada Ingeborg. O cidadão reveza os períodos trancafiados no quarto treinando estratégias de um novo jogo, chamado Terceiro Reich (dai o título, cuja referência ao regime de Hitler não é gratuito) com palmilhadas pela praia, bares e boates do passeio marítimo da cidade. Nesses caminhos, em que os turistas têm como objetivo um, dois e três tomar banhos de sol, beber e transar, conhece o sinistro casal Charly e Hanna, a dupla de sombrios amigos Cordeiro e Lobo, revê a dona do hotel em que passou a infância com os pais, Frau Else, e toma contato com o sujeito mais enigmático da história, o Queimado, que cuida de um negócio de pedalinhos e parece figura onipresente na localidade.  O apelido deve-se ao corpo salpicado de queimaduras.

Os dias se passarão entre o delírio - sonhos e mais sonhos detalhadamente descritos - e uma realidade prenhe de medos, anseios e crimes não comprovados. Várias vezes o livro me remeteu a "o sol também se levanta", do Hemingway, no que carrega de geração desiludida. Verdade que o do escritor norte-americano tem personagens de caráter mais altaneiro, mas a essência simula-se a mesma. Mas não achei em pesquisa nenhuma associação aos livros. 

Um poema de Goethe nas páginas finais é uma boa síntese da alma do livro:

"E entretanto não captaste
Este: Morre e viverás
Não é mais que um incômodo hóspede
Na terra sombria!"

terça-feira, 17 de maio de 2016

As vozes de Tchernóbil ainda ecoam




Ainda estou com as vozes de Tchernóbil ecoando na cabeça, mesmo passados tantos dias do fim da leitura do livro. Svetlana Aleksiévitch, vencedora do Nobel do ano passado, escreveu um sensível documentário em forma de monólogos. Todos muito dolorosos, prenhes de perdas, de caça pela identidade perdida ou busca de alento diante da terra arrasada, da vida arrasada pelo vazamento devastador. Literatura jornalística, já consagrada por gente como Capote, Talese e Norman Mailler por sua inegável capacidade de narrar o drama da condição humana real recorrendo à técnica habitual da ficção. Tudo em primeiras pessoas - aqui o plural é proposital. Todas elas atingidas pelo maior desastre nuclear da história, ocorrido no dia 26 de abril de 1986. Lá se vão 30 anos...


Há a voz de crianças, mulheres, homens e até de animais. Estes, claro, expressando-se nos meandros da narrativa, alegorizados, antecipadores por seu extinto premonitório e, ainda assim, vitimizados pelo maior desastre nuclear da história.
Como diz o subtítulo, é a história oral da hecatombe. Relatos da repentina transformação de vidas, muitas delas bucólicas, em morte, ainda que vidas.. sobrevivendo para uivar sua dor. São professores e professoras, enfermeiras, bombeiros, soldados, ex-militantes comunistas. E as mulheres dos liquidadores, homens encarregados de “suavizar” o impacto do espalhamento radiativo e que participaram da construção do sarcófago que embalou a área onde ocorreu o vazamento. Narrativas humanas recheadas de porquês, porquês e mais porquês. Engolfadas pela tragédia e pela impotência.
A violência sofrida por corpos e legada a seus descendentes em mutilações de braços, pernas e deformidades que deturpam a genética. Como a rosa com cirrose descrita por Vinicius de Moraes para lamuriar por Hiroxima. Carnes atingidas irremediavelmente pela radiação. Separei um trecho que me tocou muito - há outros tantos que tocarão muito a quem mergulhar no livro. Lágrimas não serão incomuns:
"Eu queria ter um filho que fosse fruto do amor. Esperávamos o nosso primeiro filho. O meu marido queria um menino, e eu, uma menina. Os médicos tentavam me persuadir: "Você deve abortar. O seu marido esteve muito tempo em Tchernóbil". Ele é motorista e o chamaram já nos primeiros dias. Transportava areia e cimento. Mas eu não acreditava, não queria acreditar. Eu lia nos livros que o amor pode vencer tudo. Até a morte.
A criança nasceu morta. E sem dois dedos. Era uma menina. E eu chorava: "Se ao menos tivesse todos os dedos. Não vê, é uma menina..."

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Pais e filhos, obra sobre choque de gerações e o niilismo na Rússia oitocentista

                                          Capa de Pais e filhos em edição da Cosac Naify

Estava há tempos para ler "Pais e filhos", principal romance do russo Ivan Turgueniev (1818 - 1883), e finalmente o fiz. Comprei a bela edição da Cosac Naify, como parte da coleção A nova prosa do mundo, com uma capa dura dessas que dão a um livro o aspecto de uma perene juventude. Antes só havia lido desse autor Rúdin (Editora 34), novela que trata basicamente do homem supérfluo, entidade bastante presente na literatura russa de dois séculos atrás.

A obra é fundamentalmente centrada na figura do jovem Bazárov. Foi graças a esse personagem que o termo niilista se difundiu e gerou bastante polêmica em um período de ruptura na antiga Rússia czarista. Bazárov sintetiza o que o livro pretende mostrar , ideia apresentada de chofre no título: o choque de gerações em um país que passa por drásticas transformações. Ele foi publicado no começo da década de 60 do século XIX, quando o regime de servidão foi abolido pelo tsar Alexandre II (1961). Como explica o tradutor Rubens Figueiredo nos anexos do livro, o regime de escravos mujiques - ou almas, como costuma aparecer nos romances da época -, teve na sociedade russa influência da mesma monta que o tráfico de escravos negros teve na formação do Brasil, com reflexos até os dias atuais.

Aqui uma rápida digressão para dizer que o conjunto de anexos, com folhas acinzentadas, onde encontra-se o texto de Figueiredo, é uma das delícias da edição. Esse compêndio conta também com um ensaio do próprio Turgueniev sobre Hamlet e Dom Quixote e reflexões do celebrado escritor Henry James sobre a persona e a obra do russo.

Bazárov é um sujeito que não respeita nenhuma autoridade e religião, despreza o amor e só vê cabimento no que é científico. Em uma sociedade em transformação, muito tradicionalista, gera admiração em alguns, como seus pais, e repugnância, ou certa resistência, em outros que o cercam. O livro começa com sua apresentação para a família de um colega da Universidade de Petersburgo, Arkadi Kirsanov, que visitava seu pai e tio em uma pequena província, de nome Marino, após regressar de tempos de estudo. A partir dessa chegada sucedem-se episódios de choque entre as negações de Bazaróv e as mesuras e desmesuras de uma sociedade que se via desamparada, deslocada no tempo. O tio de Arkadi, Paviel, torna-se seu principal adversário, não tolerando seu tom e seu desprezo pela cultura vigente, sua filosofia, a ponto de desafiá-lo para um duelo, desses típicos das novelas antigas, e que terá desfecho tragicômico.

O niilismo cultivado por Bazárov é colocado em xeque em dado ponto da história porque ele se apaixona. Sua figura desmorona-se diante da madame Odintsova, ou Ana Sergueivna, uma integrante da nobreza com pensamentos próprios, espírito que cativa o personagem.

Lembrei bastante de Settembrini, o racionalista de A Montanha Mágica, de Thomas Mann, ao defrontar com as ideias de Bazárov. A diferença, porém, é que o racionalismo dos dois tem nuances diferentes. Settembrini era um humanista na acepção do termo, ao passo que não é essa a preocupação central de Bazárov, mas sim a contestação. Ao me informar do contexto em que o livro foi escrito, a história ganha outra dimensão, mas a novela não depende disso para prender o leitor. A "insolência" de Bazárov diante dos costumes e os paradoxos humanos fazem, como acontece nos clássicos de outros gigantes russos, em especial Dostoievski, a trama ter qualidade atemporal. Religião e amor seguem sendo temas constantes na sociedade, tanto ocidental quanto oriental, e há quem os enfrente, com perdas e ganhos.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A dócil e seu fim trágico

Dostoievski traz a todo momento a culpa à tona. Acabei de ler o pequeno conto "A dócil" (editora 34), mas que já foi traduzido como Uma criatura dócil (como no caso da Cosac Naif). Mais uma vez a tortura pessoal advém da culpa por um suicidio (mais contraditório impossível, já que o suicidio é um ato de um contra si mesmo). A culpa por não evitar uma tragédia supostamente evitável (por cinco minutos!!!). 

A culpa por ter um emprego cujos ganhos vêm do sofrimento alheio (casa de penhores). A culpa pela solidão e pela incapacidade de provar as outros não ser covarde. Culpa, culpa, culpa... Sempre assim, seja com Rasklonikov, com os Karamazov, com o principe Michkin ou qualquer outro personagem. Daí sua atualidade e importãncia. Vai no profundo da alma humana, que manifestava-se na Rússia agrária do seu tempo e nos homens das grandes cidades atuais.

A narrativa, quase toda em primeira pessoa, com pouquíssimos diálogos, de um homem de meia idade diante do cadáver de sua esposa adolescente, que se suicidou. Por meio da retrospectiva dos fatos ele tenta compreender como a tragédia se deu. Dono de uma casa de penhores, ele conheceu a moça em suas idas até lá para desfazer-se de pequenos bens a fim de conseguir fazer anúncio para emprego (miséria total). Ela que vivia com tias que a maltratavam. Acabam se casando e vivem uma relação angustiada, de incompreensão mútua, ele no afã de estancar sua solidão e ela na busca de escapar de um destino miserável. E por aí vai... No livro ainda tem um outro conto, também apelidado de narrativa fantástica pelo russo: O sonho de um homem ridículo. Quando acabar de ler comento por aqui. 


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Bela e jovem, filme de sutileza impactante



Isabelle (Marine Vacth) é lindíssima. Aos 17 anos, tem o porte de dona de si, cabelos e olhos que tomam conta do espaço. Garota com padrão de vida, mimada pela mãe e pelo padrasto, com uma boa relação com o irmão mais novo. E torna-se prostituta de luxo. A cada cliente vai desenvolvendo um prazer secreto, a possibilidade de descobertas, do próprio corpo e da vida. Aparenta ciência da própria beleza, do seu poder de sedução, e os utiliza para ganhar dinheiro e espaço. 

Faz tudo assim, sem precisar, quebrando o clichê das necessidades. Ou melhor, o que é necessidade? É algo de cada um. O dela talvez seja desprender-se de uma vida entediante. Ou então preencher algum vazio. No terapeuta, com sessões forçadas pela mãe, que não se conforma ao descobrir que a filha circula clandestinamente a fazer programas, não demonstra querer desvendar os motivos de sua escolha. Para ela, nada daquilo é muito anormal, apenas é o que é. A vida como ela é, seu Nelson!



François Ozon, diretor do filme, não se preocupa em dramatizar a situação. Lembra Haneke em Amor, sem usar de músicas para imprimir emoções, choros e velas. O inconformismo da mãe, até mesmo ele, é ao mesmo tempo evidente e contido. A culpa pelos caminhos da filha dão lugar à vontade de consertar o que não tem conserto, nem nunca terá. A sua pequena Isabelle é ainda uma adolescente, mas moça, que em ímpetos avisa ser proprietária do próprio nariz, corpo e alma. 

Isabelle não é uma empreendedora do sexo como Bruna Surfistinha. Ela é francesa, delicada e até matreira. Mistura pureza com malícia, ambiguidade que fica escancarada quando encontra um homem de terceira idade com quem passou uma noite no teatro. Olha para ele, que desconcerta-se ao lado da esposa. Ali fica clara a satisfação em perceber-se potente. De um lado, rompe a moral cristã e a estrutura familiar. Do outro, faz gritar que a 'profissão marginalizada' é, de alguma forma, a perdição de alguns homens. Dois valores falsamente opostos. 

Nas cenas de sexo desvela-se o podre e o sublime. O podre no sujeito que vê a mulher como sua boneca, sua escrava. O sublime no homem que deslumbra-se com a mulher e dela faz sua projeção inalcançável. Pelas ruas de Paris, circula a bela Isabelle, deixando rastros de que a beleza salvará o mundo, com o perdão do príncipe Michkin, de Dostoievski. 

Em Jovem e Bela (Jeune e Jolie), há impacto. O natural impacto ao ver uma filha da classe média alta, adolescente, se prostituir. Entediada, renegando os valores tradicionais, ela busca o caminho reprovado. Parece precocemente farta daquilo que a cerca. E, por isso, corre pelo estrada do que desagradará seus circunstantes. A ironia é delicada, como quando uma amiga conta o desastre de sua primeira relação pensando estar tratando com uma virgem. 


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Pedalando com Molière - quando o teatro vai ao cinema

A paixão por uma peça 'sacra' do teatro francês, do teatro de um gênio francês, é o eixo de "Pedalando com Molière", que está em cartaz no Espaço Itaú em São Paulo. Aliás, é mais um exemplo de tradução pessimamente feita de título, transformando-o em mambembe. O original Alceste à byciclete (Alceste de bicicleta) deveria ser mantido, traduz bem mais a essência do filme, enquanto o que está vertido nos cartazes e no bilhete é de um ridículo...


Mas, enfim, voltando ao que interessa. Um ator chamado Serge Tanneur (Fabrice Luchini) resolve isolar-se da sociedade (lembrou-me o brasileiro Walmor Chagas, falecido recentemente e que tinha optado por esse estilo retirado de vida) e vai viver num local chamado Île de Rè, na França. Vai viver como um misantropo, avesso aos contatos sociais. Um outro ator, Gauthier Valence (Lambert Wilson), vai procurá-lo para propor encenar uma peça de Molière chamada justamente O misantropo. Então temos os dois em diálogos incríveis, profundos, sobre a natureza humana e disputando a todo momento em cara e coroa quem é o personagem principal, o tal Alceste, referido no título da peça, e seu debatedor em boa parte da história. 




Muitas são as cenas de ensaio em que as vaidades dos dois se excitam e geram conflito. E esse estado emocional é representado justamente pelos diálogos, já que a quase todo momento Alceste expõe sua aversão aos outros e sua autoestima elevadíssima. Os conteúdos confundem-se com as personalidades. E, detalhe, até quase o fim Serge não deixa claro se aceita ou não encenar a peça, apenas submete-se aos ensaios. Paralelamente a esse aspecto mais refinado, artístico, temos um desenrolar banal da história, com passeios pastelões de bicicleta dos dois pela ilha (com tombos circenses), uma italiana que mexe com os corações dos amigos-inimigos e bela fotografia. 




Eu diria que as reflexões de Molière sobre o estado do ser e a necessidade de méritos e diferenças entre as pessoas são o ponto forte para quem gosta de um cinema pensante, humano, sem fórmulas bem acabadas de felicidade. Quem deseja isso sairá satisfeito do cinema. Sairá com a sensação de que viu mais uma obra francesa com cara de francesa, em que ícones intelectuais do país são o vaso condutor de uma trama. E também dará algumas risadas, trata-se de uma comédia. Há boa música também, em especial uma italiana que toca em um passeio de carro, e a que desfecha o filme. Há paixão, devoção por um criador. Tanto que os 'contendores' se entregam aos diálogos como se eles fossem sagrados, uma bíblica teatral. Lembrei de um filme italiano que vi no mesmo espaço da Augusta há poucos meses chamado César deve morrer, quando presidiários encenam "Julio Cesar", do Shakespare, mostrando trechos da peça para a audiência. 



sábado, 2 de novembro de 2013

O meu vício em Sessão de Terapia

                                                Zécarlos Machado é o psicólogo Theo

Nas minhas férias recentes tive a agradável surpresa de ver que todos os episódios de Sessão de Terapia, série exibida de segunda a sexta pelo GNT,  estavam ao meu alcance. Devorei a primeira temporada, de cabo a rabo. Nunca fui um grande apreciador de séries, ao menos não dessas em que é preciso ver de forma seriada, respeitando a proposta embutida no nome. Breaking Bad e Família Soprano nunca vi, só ouço falar, por exemplo. Lost parei até agora no primeiro episódio, vejam só!

Mas Sessão de Terapia pegou feito tatuagem. Maria Fernanda Cândido, por motivos óbvios, Selton Mello, ator fabuloso e diretor nada convencional, e Zécarlos Machado, que já conhecia de alguns filmes como "Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios" e "As melhores coisas do mundo", foram poderosos chamarizes. Some-se a isso uma certa curiosidade que tenho por terapia (já ameacei fazer algumas vezes, insuflado por amigos e parentes) e a voltagem calibradamente humana e virei presa fácil da trama. A ponto de estar acompanhando a segunda temporada, que está passando agora, com a mesma devoção.

O drama, meu gênero predileto, é contemplado à exaustão, mas sem ser mambembe. O psicólogo no centro da história é vivido com magnificência por Zécarlos. Incrível sua mudança de tom quando é o analisado - sempre às sextas ele visita Dora, a sua psicóloga - um troço genial é que antes de cada capítulo, que é uma sessão, vem o nome do paciente (ou dos pacientes), dia e horário. A psicóloga do psicólogo, pois analistas também tem seus calcanhares de Áquiles emocionais. É um psicodrama, um festival de problemas clássicos sendo desmontados no consultório, que também é residência do protagonista - detalhes de terapia aparecem fartos, como atrasos recriminados e a frase padrão: Acabou seu tempo!

                                            Terapia de casal também está presente na série

São muitos os elementos atraentes. Meus olhos ficaram cheios de lágrimas em vários momentos. Na primeira temporada é curioso como os pais dos analisados têm papel decisivo nos desencontros psicológicos e afetivos dos pacientes. As perguntas cirúrgicas de Theo, são elas o bisturi do analista, a música de fundo que entra, corrosiva, nos momentos de desvelo emocional, a terapia de casal, as irrupções de agressividade dos analisados, os rasgos fraternais do psicólogo por seus pacientes.

Além de não conseguir conduzir sua vida, ao passo que é visto pelos pacientes como o que conduzirá as suas, Theo vê-se em um conflito que não deve ser incomum para terapeutas. Considera-se culpado pelo suicídio de um de seus pacientes, Breno, interpretado por Sérgio Guizé. Há uns detalhes que revelam o dedo de Selton Mello (ele não resume-se a emprestar a voz em todo começo de episódio: Nos últimos capítulos de Sessão de Terapia). A câmera fica em lado diferente a depender do paciente. A ginasta boca dura e crítica da mãe é vista pela sua direita. Julia (Maria Fernanda Cândido), apaixonada por Theo, é vista pela esquerda. Alguém arrisca razões psicanalíticas para isso?

Há a tão adorada escatologia típica de Selton, como o detalhe das mãos de Julia ainda com esperma de uma relação sexual que teve antes de uma das sessões - relação que ela descreve em pormenores que ora excitam, ora produzem asco. Há a força do olhar. Em Theo, os olhos falam. Em Dora, eles berram. Há os símbolos: a cafeteira que Breno dá para Theo ainda em um momento em que este, assim como fez seu pai, ataca de todas as formas o terapeuta tentando desvaler sua profissão. O raciocínio militar e machista do pai (redundância). Tudo muito atraente e minucioso.

                                            Bianca Muller faz a ginasta perturbada

Algumas cenas são de profunda beleza.. Quando a ginasta vivida por Bianca Muller (que olhos lindos tem a moça) ensaia exercício no sofá. Quando Théo a recebe com bexigas coloridas para parabenizá-la por seu desempenho nas eliminatórias. Quando Julia recebe Théo em seu apartamento com grandes janelas e muitos silêncios. Quando Ana (Mariana Lima) descreve a estúpida morte de seu pai quando tomavam sorvete. Quando Théo tem surto violento e parte para cima de Breno após pesada fala do paciente.

Outras cenas são de morbidez impactante. Em especial aquela em que Theo recebe uma coroa de flores mortuárias com a inscrição "Aqui se faz, aqui se paga", no tom ameaçador do pai de Breno.

Culpa é o cerne da série. O sentimento de culpa. Culpa por um relacionamento que não dá certa, pela relação com ruim com ou pai, pelos maus hábitos de um filho, pela morte de alguém.. Para quem gosta de teias emocionais, das fraquezas humanas, Sessão de Terapia é um prato robusto.

                                         
                                          Aqui um teaser de Sessão de terapia